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Escrevivendo longe dos neologismos.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

1.1. Mais um do um. Continuação. Prosseguindo. Whatever, é pra ler.

Um cara com voz de pasteleiro me chamou uma, duas, três vezes. Na quarta eu olhei porque percebi que só depois de algumas gotas de veneno ele ia parar com o escândalo.
Não deu. Ele era lindo demais pra ser uma vítima. Ou lindo demais pra deixar de sê-lo.
- Hmmm, oi.
- Sozinha?
- Não, não, to testemunhando Jeová.
Ele riu. Parabéns, entendeu que era piada.
- Que tipo de crime ele cometeu?
- Inconveniência culposa. Quando há intenção de ser chato.
- Isso foi uma indireta?
- Não.
- Que bom.
- Tô falando com você mesmo.
Ele riu de novo. Sorriso branquinho. Gostei.
Não o deixei falar sobre o tempo, aqueduto ou o quão mal o cigarro é. É óbvio que eu sei que faz mal. Não tenho pretensão de criar um terceiro pulmão, pode deixar. Conversamos então sobre algumas bandas e filmes e lugares legais pra ir e problemas pessoais e muito mais. Até eu perceber que não sabia ainda o nome do cara.
- Mateus, e você?
- Camila. Mentira, Fernanda. Ou talvez Larissa.
- Você tem cara de Alice.
- Caralho, como você descobriu?
- Sério que acertei?
- Não, meu nome é Cíntia.
- Então o que eu descobri?
- Que eu tenho cara de Alice. Eu sempre achei isso. Na verdade eu sempre me achei com cara de esquisita, mas Alice também serve.
Ele deu um sorriso torto. Lindo. Ah não, de novo não.
- Preciso ir, CíntiAlice.
- Credo, depois dessa pode ir.
- Tem certeza?
- Não, fica mais. Até eu ficar a fim de pegar o bonde e voltar pra minha selva.
Ele deu uma olhada no relógio.
- Acho que isso não vai acontecer.
- Porquê? O apocalipse já chegou?
- Ainda não, mas o bonde para de funcionar as dez e já são quase duas.
Caralho, duas da manhã? E eu ainda to viva? E com roupas?
- Tem um cobertor ai?
- Na minha casa tem vários.
Prrrrrr, resposta correta, dez pontos.

Ele morava num puta apartamento perto da Mahatma Gandhi, no centro. Sempre achei aquela praça muito bonitinha e digna de filmagens. Quem sabe eu ainda escrevo o roteiro de um curta que se passe por ali. A revolta dos pombos fedidos ou algo parecido.
Ele fez um café de saquinho. Sempre tive preconceito com esses saches de pó solúvel que em dois minutos já tá pronto e – vuash – pode ir pro trabalho, senhor.
Sei lá, café pra mim tem que ser daqueles que a gente faz em garrafa e demora uns dez minutos só pra água da chaleira ferver. E então depois você pode ficar se divertindo tentando desgrudar todo o pó do coador e sentindo a adrenalina de colocar água até a boca sem transbordar. Mas o café tava gostoso, então nem questionei o filo do pacotinho.
Fiquei olhando os móveis da sala e percebi que nem seis meses de trabalho meu deveriam valer um salário do cara. Ou então ele era um filhinho de papai babaca, então tratei de perguntar logo pra saber se tava na hora de fugir ou pedir ele em casamento.
- E ai, o quê você faz?
- Sucesso.
- Piadas ruins é só um hobbie?
Ele riu. Bonitinho.
- To estudando jornalismo e estagiando numa redação meia-boca.
Filhinho de papai. Meu saco.
- Alguém te banca?
- O apartamento é dos meus pais, mas tudo que tem dentro fui eu que coloquei.
- Porra, me dá o telefone dessa redação que eu quero um estagio também. Nem que seja pra faxineira.
Jogamos mais dez ou quinze minutos de conversa fora até ele resolver me apresentar o resto do apartamento. Ok, Cíntia, é agora. Seus dois meses nessa secura vão acabar. Yay.
Quarto lindo. Ele também. Tiramos as blusas. Menos algumas roupas. Todas. Merda.
Não que fosse muito pequeno, mas era feio sabe? E pau feio não é legal. Sério. Tentei não me importar, até ele dizer que não ia dar. Que o Juninho não tava mais disposto.
Eu ia perguntar se eu tinha feito alguma coisa de errado – olá, dona insegurança, dá pra se mandar de mim? – mas só consegui modelar uma questão:
- Juninho?
Se você for homem, uma nota: Nunca, eu disse, NUNCA dê nomes para seu órgão reprodutor. Se você faz isso não é digno do mesmo gás oxigênio que eu e espero que morra virgem. Grata.
Depois disso não tinha mais como salvar nada. Nem a diversão, nem o casamento muito menos o plano de homicídio que eu tava bolando pra poder ficar com a grana do cara. Sorte a dele.
O complicado era voltar pra casa. Não tinha mais bonde nem ônibus nem táxi que topava corrida de graça. E se eu inventasse de ir andando também não teria mais pernas. Então aceitei dormir por lá. Mas na sala. Nada de feioso de novo, por favor.

Ele colocou Strokes pra tocar. Strokes! Não dormir é o plano, claro. Guess I got too excited when I thought you were around. Mas ai você chama ele de um diminutivo qualquer e acaba com tudo. Segue a vida, Juninho. Ora bolas.

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