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Escrevivendo longe dos neologismos.

quinta-feira, março 03, 2011

Cartas, búzios e que horror.

Eram umas cinco e muito da tarde quando passei em frente a um sobradinho caindo aos pedaços. Nunca acreditei em destino, tarô ou que a posição dos astros influenciasse na personalidade das pessoas. Gente maleável não depende das estrelas pra mudar de idéia, opinião, opção sexual ou whatever. Fiquei observando aquele muro rosa-cafona por um tempo e resolvi entrar. Não tinha porra nenhuma a perder, a não ser quinze contos que seriam destinados à luxúria e gula. Quem sabe era o cosmos me impedindo de ficar aidética ou morrer entalada com um pedaço de chocolate.
Assim que sacudi os penduricalhos da porta me arrependi de estar ali. Aquela decoração era um insulto às minhas órbitas oculares e comecei a ter uma crise alérgica pela falta de senso do lugar.
Tudo bem, Cíntia, seu organismo vai superar o choque. Sem babaquice, caralho. O muquifo que você mora é pior que isso. E fede a vacas.
Sentei num sofá de cor meio lápis-lazúli e fiquei esperando aparecer uma velhinha corcunda e provavelmente ciclope. Mais uma frustração na minha vida porque na porta surgiu uma mulher com menos de trinta anos e completamente em dia com o colágeno. Tentei converter a inveja pra pensamentos venenosos como “ah, provavelmente ela vendeu o cérebro pra ter esses peitos” ou “ela nunca teve cérebro e precisou vender os filhos e um rim”, mas a vontade de roubar os apêndices da cigana continuou. Grande merda, eu não ia esquartejar a mulher e transplantar batatas da perna, certo? Certo.
- Em que posso ajudá-la?
- Você não deveria adivinhar?
- Seria meio assustador se eu soubesse de tudo da sua vida, certo?
- Essas paredes têm duendes iguais ao Marilyn Manson, seu conceito de assustador é variável.
Ela não entendeu. Ou então estava contatando orixás, vai saber. Sentei em frente à mesa lotada de cartas e pedrinhas e esperei a Cigana Siliconada fazer o mesmo.
- Do que você precisa pra ler a mão das pessoas?
- De uma mão e pelo menos um olho.
Bingo! A teoria do cérebro estava correta.
- Quiromancia é uma arte complexa. É preciso muito estudo e concentração. – ela continuou.
Eu diria que imaginação também, mas mordi a língua senão aquela “consulta” poderia me custar sete anos de azar, problemas astrais, mais que quinze pilas e yadda yadda.
Estendi a palma esquerda e ela alisou minhas linhas com aquelas unhas enormemente bizarras e pintadas de amarelo-capa-de-chuva. Fiquei com medo de perguntar o nome dela. Quem sabe tudo aquilo fosse reflexo de um trauma de infância fomentado por uma mãe que não conseguiu abortar.
- Sua linha do coração é bem clara, querida. Você é uma pessoa sensível, carinhosa e bem-sucedida. Logo vai encontrar um rapaz forte e bonito que te protegerá de todos os perigos do mundo.
Ai meu saco, espero que a descrição do meu futuro homem esteja tão errada quando a minha. Sensível? Bem sucedida?
Alou, se eu fosse bem sucedida não estaria tentando descobrir em borras de café – provavelmente pó solúvel – se eu vou dar mais certo, menos errado ou simplesmente dar.
Ela sacudiu uns caroçinhos, grunhiu palavras esquisitas e disse que eu ainda passaria por muitas provações.
- Mas no final você será uma pessoa muito feliz.
- Ao lado do meu homem muito forte?
- Ao lado dele. – ela sorriu.
Sorri de volta, mas não achei a menor graça. Comecei a torcer pra esse armário humano não aparecer na minha vida de fato. Objetofilia nunca foi meu fetiche preferido.
Sacudi mais uns sininhos e saí antes que pudesse tropeçar em algum gato preto manco.

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