Páginas

Escrevivendo longe dos neologismos.

quarta-feira, março 09, 2011

Não há nada a ser esperado. Nem desesperado.

Cheguei em casa com um cheiro de incenso de almíscar fodido e por isso demorei, pelo menos, uma hora e meia no banho. Não me venha com discurso ecochato, se você estivesse cheirando à glândula de qualquer mamífero teria feito o mesmo. Assim que saí do banheiro, as três gracinhas – sem graça, desgraça e nem de graça – chegaram também.
- Oiiiii, Cíntia, já tá aqui? – toupeira número um falando, câmbio.
- Não, sou um holograma.
As meninas super-poderosas – e infra-dotadas – ficaram paradas me olhando. Eu até esperaria elas entenderem, mas tinha planos para as semanas seguintes. Cacei meu exemplar de Morangos Mofados e bandeei pra Odilo Costa Neto.
Uma clara tentativa de impedir meus neurônios de serem destruídos. Convivência é uma merda, viu.
Sentei na grama e me senti um pouco Nova Iorquina. Eu sempre tive nojo de capim de praça porque minha mãe dizia que os mendigos faziam xixi ali pra marcar território, que nem os cachorros.
E então cresci pensando que xixi de mendigo fizesse mais mal que de cachorro porque nunca vi ninguém passando a mão e achando bonitinho um cara barbudo abanando o rabo.
E provavelmente faz.

Um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha de centro em junco indiano que apóia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados.

Puta que pariu, Caio F., pára de fazer eu me apaixonar pelo seu espírito diariamente senão eu vou ter que voltar lá no beco multicolor, faz favor?
Larguei o livro em cima de uma moitinha fofinha fingindo acreditar que nenhum homem sem calças aliviou-se por ali, e comecei a fazer um resumo mental da minha vida.
Pobre. Solteira. Desiludida. Precisando de receitas azuis. Chocolate. Chocolate não, Kit Kat. Isso é mais que chocolate. E mais receitas. E álcool. E então rehab. E um homem. Anticoncepcionais. E sexo. E mais pílulas. E muito, muito amor. E lenços. E dinheiro. E motivações. E parar de pensar em tudo que preciso e dar um jeito de conseguir.
Vam’bora Cíntia, levanta essa sua bunda gorda daí. Nenhum homem vai parar no meio dessa grama mijada e te oferecer uma dose de uísque. Nenhum bilhete premiado de loteria vai grudar na sua testa depois de uma brisa suave de fim de tarde. Dê-se ao menos o trabalho de apostar. E trabalhe.
E então mande aquelas vadias procurarem o Mickey e cuide da sua própria ruína existencial, no seu próprio apartamento com as suas próprias festas insossas.
Sacudi o jeans pra garantir que não carregava nenhum bichinho de herpes genital, encaixei Caio Fernando debaixo do braço e fui andando. Só não se sabe para onde.

Nenhum comentário:

Postar um comentário